PROTOCOLO AS-I: AGREGANDO INTELIGÊNCIA A SENSORES E ATUADORES
Dr. Marcelo Barros de Almeida, Smar Equipamentos Industriais Ltda., barros@smar.com.br; Fernando Henrique Ataíde, Centro Universitário do Leste Minas Gerais – UNILESTEMG, fha@unilestemg.br; e Max Mauro Dias Santos, Centro Universitário do Leste Minas Gerais – UNILESTEMG, maxmauro@unilestemg.br.
Resumo
A finalidade deste artigo é apresentar uma introdução ao protocolo AS-Interface, apresentado os seus principais conceitos, características, vantagens e limitações relacionadas à sua aplicação em automação de processos industriais.
Introdução
O protocolo AS-Interface, comumente referenciado somente como AS-i (proveniente de Interface Sensor Atuador) foi criado por conjunto de onze empresas ligadas a setores de automação, através de um consórcio fundado em 1990, denominado “ASI consortium”.
Uma das principais idéias do projeto AS-i era levar ao nível de sensores e atuadores os benefícios já alcançados nos níveis superiores da hierarquia de automação industrial. Desta forma, a rede AS-i foi concebida para complementar os demais sistemas e tornar mais simples e rápida as conexões dos sensores e atuadores com os seus respectivos controladores.
Como ponto de partida para o desenvolvimento do AS-i, foi elaborada uma lista de requisitos para o desenvolvimento de uma interface serial digital, para sensores e atuadores, listados a seguir:
- Interoperabilidade: sensores e atuadores de diferentes empresas poderão ser conectados a uma mesma interface serial digital.
- Facilidade de instalação e localização de falhas
· Baixo custo de conexão por nó e sem restrições de topologia de rede
- Cabeamento realizado através de dois fios, de fácil uso e baixo custo, capazes de entregar tanto energia quanto dados.
- Confiabilidade operacional alta em ambientes industriais severos.
· Baixo tempo de reação e comportamento determinístico.
- Volume pequeno dos dispositivos usados na conexão de circuitos.
Em 1998, a rede AS-i foi padronizada pela norma EN 50295, sendo considerada uma solução simples em redes industriais e aplicada ao nível mais baixo de automação (Figura 2.1). A rede AS-i pertencente à categoria de Sensor Bus (Figura 2.2), isto é, tem como foco os dispositivos discretos, suas interligações e controle. AS-Interface fornece uma alternativa simples de rede para interligação de sensores e atuadores através de uma barramento de dois fios, fornecendo aos elementos periféricos como: transmissão de dados e diagnostico de todo o sistema. Dispositivos analógicos são também suportados, apesar de não ser o foco principal do protocolo AS-i.
Figura 1.1: Níveis de redes para automação.
Figura 1.2: Categorias das redes para automação.
Características
A rede AS-i é do tipo mestre-escravo, com polling cíclico. Em outras palavras, ela apresenta um dispositivo mestre, capaz de controlar toda a rede, realizando um polling cíclico em todos os outros dispositivos presentes na rede, denominados de escravos.
O mestre AS-i realiza várias tarefas, como inicialização da rede, identificação dos escravos, diagnóstico dos escravos e de dados transferidos. Além disso, geralmente se comunica a um controlador (PLC ou PC) para receber a configuração de controle da rede AS-i, reportar erros, endereçar escravos substituídos, entre outras tarefas. O tempo máximo de ciclo para uma rede AS-i é de 5ms, mesmo estando a rede repleta, com 31 dispositivos. Isto permite uma integração eficiente entre botoeiras e acionadores, além de lógicas de intertravamento.
Os escravos são dispositivos passivos, isto é, só podem ter acesso a rede quando o mestre faz uma requisição para ele e a transferência de dados de escravo para escravo só é possível via mestre. Aos escravos podem estar conectados até quatro sensores e quatro atuadores, que terão os seus valores lidos/escritos ciclicamente pelo mestre. Existem também escravos que trabalham com valores analógicos, mas estes precisam de quatro ciclos de rede para que uma leitura/escrita se complete.
As principais características do protocolo AS-Interface estão listadas abaixo, segundo a versão 2.0 do protocolo. Recentemente foi introduzida a versão 2.1, discutida ao final.
Transferência de dados |
Mestre escravo com polling cíclico. |
Endereçamento |
Os escravos recebem um endereço enviado pelo mestre ou um terminal de configuração. |
Estrutura da rede |
Barramento, anel, estrela, ou árvore. |
Meio físico |
Dois cabos não trançados e nem blindados para dados e energia (24V DC), tipicamente até 200mA por escravo e 8A por rede. |
Comprimento de cabo |
Máximo 100m. Maiores distâncias podem ser obtidas com repetidores. Não é necessário nenhum tipo de terminador. |
Número de escravos |
31 escravos. |
Número de sensores e atuadores |
4 sensores e 4 atuadores por escravos. Máximo de 248 participantes binários por rede. |
Tempo de ciclo |
5ms para uma rede completa, com 31 escravos. Cada escravo pode utilizar até 150μs do tempo da rede por ciclo. Os dados transmitidos são limitado a 4 bits por escravos que podem ser trocados a cada ciclo. Mensagens longas podem ser transmitidas dividindo-as em vários ciclos. |
Modulação |
Emprega uma modulação por pulsos alternados conhecida como APM (Alternating Pulse Modulation) e baseada no código Manchester. |
Taxa de transferência |
A taxa de transferência no AS-i é de 167kbit/s, resultando em 6μs como o tempo gasto de transmissão de um bit (tempo de bit). |
|
|
Tabela 2.1: Principais características do AS-Interface versão 2.0.
A rede AS-i utiliza um cabo especial não blindado e perfilado (para evitar a inversão de polaridade), composto de dois fios e transportando simultaneamente dados e alimentação para os elementos da rede. Este cabo é comumente conhecido como “Yellow flat cable”. Para aplicações que demandam potência maior, existem versões especiais indicadas por cores, como o cabo preto (“Black flat cable”, fornecendo até 30V) e o vermelho (“red flat cable”, fornecendo até 230V AC). Na Figura x é apresentado um corte de perfil no cabo AS-i amarelo.
Figura 2.1: Formatos de cabos AS-i e sua conexão rápida.
A conexão do cabo AS-i é rápida, feita geralmente através de conectores “vampiros” que perfuram o isolante do cabo e estabelecem o contato com os fios internos. Na retirada das tomadas, em caso de modificação da fiação, o cabo retorna ao seu aspecto original, pois o seu isolante é “auto-regenerativo”.
Figura 2.2: Conexões do cabo AS-i.
Protocolo de comunicação
A troca de dados entre mestre e escravo no AS-i sempre consiste de um chamado do mestre, seguido por uma pausa e uma posterior resposta do escravo, também seguida de uma pausa. A pausa do mestre tem que ser mantida e checada pelo escravo depois de receber um chamado do mestre e apresenta duração de 3 a 10 bits (18 a 60 µs). A pausa entre a resposta do escravo e o próximo chamado do mestre é a duração de tempo em que a rede estará ociosa após o fim de uma resposta do escravo. A especificação do mestre determina que a duração máxima desta pausa seja de 2 bits (12 µs) em operação normal, assegurando que o tempo de ciclo será mantido. Levando-se em consideração a taxa de comunicação do AS-i (167kbit/s) e incluindo todas as pausas necessárias, chega-se a uma taxa liquida de 53.3kbit/s, gerando uma eficiência na transferência é de 32%.
Chamado do mestre
(14 bits) |
|
Pausa mestre |
|
Resposta do escravo
(7 bits) |
|
Pausa para próxima chamada |
|
Chamado do mestre
(14 bits) |
.... |
Figura 3.1: Tempo de transição no AS-i.
A duração desta pausa pode ser alongada até 500 μs desde de que o tempo de ciclo não exceda os 5 ms. O aumento do tempo de ciclo pode ser feito em sistemas com menos de 31 escravos, de forma que o mestre o utilize no processamento interno das funções de controle.
Formato e tipo de mensagens
Os frames enviados por mestres e escravos apresentam tamanhos diferentes, sendo que o frame do mestre contém 14 bits e o do escravo 7 bits. A estrutura destes frames pode ser vista na Figura y.
Figura 3.2: Estrutura de um frame AS-i.
As descrições dos campos do frame de requisição do mestre estão a seguir:
ST |
Bit de início |
Identifica o início do frame de requisição do mestre. Sempre valor lógico 0. |
SB |
Bit de controle |
Identifica se o comando.
0 para dados, parâmetro e endereço.
1 para comandos |
A0 a A4 |
Endereço |
Endereço do escravo a ser chamado. |
I0 a I4 |
Dados |
Dependendo o tipo da requisição do mestre, este campo pode conter até 5bit de informação. |
PB |
Bit paridade |
A soma de todos os bits “1”, exceto os bits de início e fim, deve ser par. |
EB |
Bit de fim |
Identifica o fim do frame. Sempre valor lógico 1. |
Para o escravo, vale o seguinte detalhamento:
ST |
Bit de início |
Identifica o início do frame de requisição do mestre. Sempre valor lógico 0. |
I0 a I4 |
Dados |
Informação em 4bits, geralmente ligada a valores discretos de entrada ou saída. Para valores analógicos o valor obtido pelo A/D do escravo será separado em várias partes e transmitido através de vários ciclos. |
PB |
Bit paridade |
A soma de todos os bits “1”, exceto os bits de início e fim, deve ser par. |
EB |
Bit de fim |
Identifica o fim do frame. Sempre valor lógico 1. |
Existem nove diferentes tipos de mensagens AS-i: duas para dados e parâmetros, duas para ajustes ou mudança de endereços de escravos e cinco para identificação de escravos ou para investigação de status. Na Tabela 2.3 estão listados todos os tipos possíveis e combinação de códigos de requisições do mestre.
|
Tipo de Mensagem |
ST |
SB |
5 bit de endereço |
5 bit de dados |
PB |
EB |
1 |
Troca de dados
(Data exchange) |
0 |
0 |
A4 |
A3 |
A2 |
A1 |
A0 |
0 |
I3 |
I2 |
I2 |
I0 |
PB |
1 |
2 |
Escrita de parâmetros
(Write parameter) |
0 |
0 |
A4 |
A3 |
A2 |
A1 |
A0 |
1 |
I3 |
I2 |
I2 |
I0 |
PB |
1 |
3 |
Atribuição de endereço
(Assign address) |
0 |
0 |
0 |
0 |
0 |
0 |
0 |
A4 |
A3 |
A2 |
A1 |
A0 |
PB |
1 |
4 |
Inicialização do escravo
(Reset) |
0 |
1 |
A4 |
A3 |
A2 |
A1 |
A0 |
1 |
1 |
1 |
0 |
0 |
PB |
1 |
5 |
Apagamento de endereço operacional
(Delete operating address) |
0 |
1 |
A4 |
A3 |
A2 |
A1 |
A0 |
0 |
0 |
0 |
0 |
0 |
PB |
1 |
6 |
Leitura de configuração de I/O
(Read I/O configuration) |
0 |
1 |
A4 |
A3 |
A2 |
A1 |
A0 |
1 |
0 |
0 |
0 |
0 |
PB |
1 |
7 |
Leitura de código de identificação
(Read ID code) |
0 |
1 |
A4 |
A3 |
A2 |
A1 |
A0 |
1 |
0 |
0 |
0 |
1 |
PB |
1 |
8 |
Leitura de status
(Read status) |
0 |
1 |
A4 |
A3 |
A2 |
A1 |
A0 |
1 |
1 |
1 |
1 |
0 |
PB |
1 |
9 |
Leitura e apagamento de status
(Read and reset status) |
0 |
1 |
A4 |
A3 |
A2 |
A1 |
A0 |
1 |
1 |
1 |
1 |
1 |
PB |
1 |
Data Exchange: É o tipo mais comum de mensagem. Serve para transferir dados e solicitar valores de entrada de um escravo.
Write parameter: Configura o comportamento do escravo através da escrita em parâmetros internos. Assign Address: Permite que o mestre atribua um novo endereço para um escravo. Isto é possível porque os escravos entram na rede com endereço 0 ou são configurados para este endereço através do comando Delete Operating Address.
Reset: Reinicia o escravo, colocando-o em seu estado inicial. Este comando tem o mesmo efeito que um reset forçado que pode ser feito manualmente no pino de reset do chip AS-i do dispositivo escravo.
Delete Operating Address: Este comando é usado para apagar o endereço de operação de um escravo e é usado em conjunto com o comando Assign_Address. Após o escravo ter reconhecido o comando, ele passa a operar com o endereço 0.
Read I/O Configuration: É usada pelo mestre para ler a configuração de I/O de um dispositivo escravo. Esta configuração segue um dos padrões indicados na Tabela 2.4, onde IN é entrada de dados do processo, OUT é ajuste para saída do dispositivo, I/O é ajustado para ter um comportamento bidirecional de entrada e saída, é por fim o TRI significando sem configuração.
Código |
D0 |
D1 |
D2 |
D3 |
|
Código |
D0 |
D1 |
D2 |
D3 |
00 |
IN |
IN |
IN |
IN |
|
08 |
OUT |
OUT |
OUT |
OUT |
01 |
IN |
IN |
IN |
OUT |
|
09 |
OUT |
OUT |
OUT |
IN |
02 |
IN |
IN |
IN |
I/O |
|
0A |
OUT |
OUT |
OUT |
I/O |
03 |
IN |
IN |
OUT |
OUT |
|
0B |
OUT |
OUT |
IN |
IN |
04 |
IN |
IN |
I/O |
I/O |
|
0C |
OUT |
OUT |
I/O |
I/O |
05 |
IN |
OUT |
OUT |
OUT |
|
0D |
OUT |
IN |
IN |
IN |
06 |
IN |
I/O |
I/O |
I/O |
|
0E |
OUT |
I/O |
I/O |
I/O |
07 |
I/O |
I/O |
I/O |
I/O |
|
0F |
TRI |
TRI |
TRI |
TRI |
Tabela 3.1: Configurações de I/O.
Read ID Code: Serve para ler o código do dispositivo. Este parâmetro é definido durante a fabricação do componente e não pode ser mais mudado. Ele define o perfil daquele dispositivo (profile). Estes profiles são definidos na especificação AS-i.
Read Status: Lê o buffer de status de um escravo, contendo dois flags, com a seguinte descrição:
· S0 volatile_address: Indica que o escravo está realizando uma rotina interna para armazenar o endereço permanentemente.
· S3 read_error_non_volatile_memory: Erro de leitura da memória não volátil durante o procedimento de reset.
Read and Reset Status: Lê e posteriormente apaga o buffer de status de um escravo.
A nova especificação 2.1
Na nova especificação AS-i a quantidade de escravos participantes na rede AS-i pode ser duplicada, atingindo até 62 escravos sob a coordenação de um mesmo mestre. Isto é possível pelo uso de endereçamento duplo, no qual um mesmo endereço é dividido em A e B. Por exemplo, o endereço 5 agora precisa de um identificador a mais para nomeá-lo como 5A ou 5B. Essa técnica é chamada de Técnica A/B.
Isto é possível através da utilização do quarto bit da chamada do mestre (D3), que deve ser reservado e não pode ser usado como um bit de informação. Desta maneira, os escravos que utilizam este tipo de endereçamento podem processar somente três bits de informação.
O tempo de ciclo cresce para 10 ms e deve ser usado um mestre que obedeça à especificação 2.1. Uma rede na especificação 2.0 pode também ser suportada caso um mestre que obedeça a especificação 2.1 seja utilizado.
Com relação ao quesito segurança, a nova versão introduziu o conceito de Safety at Work, com o objetivo de adicionar funcionalidades relacionadas à segurança pessoal e de equipamentos. Com AS-i Safety Work é possível conectar componentes de segurança (safe components), tais como chave de emergência e barreiras de segurança diretamente à rede AS-i, sem a necessidade de trocas ou expansão do sistema existente (esta função não pode ser desempenhada pelo mestre). O monitor acompanha o tráfego da rede, sem interferir, utilizando-o para determinar o estado de segurança dos equipamentos. Desta forma, máquinas e plantas podem ser ajustadas para um estado seguro através das saídas do monitor de segurança em caso de falha.
Exemplo de aplicação
Um exemplo que ilustra a aplicabilidade do AS-i é apresentado na figura abaixo. É um processo envolvendo controles de posicionamento de válvulas através de botoeiras, além de sensores eletromagnéticos e sinalizadores luminosos. O mestre tem a função de gateway, transmitindo e recebendo informações da redes de nível superior, tal como Foundation Fieldbus, Profibus, DeviceNet e outros. Uma fonte de alimentação auxiliar pode ser utilizado de acordo com necessidades de alimentação extra para módulos de I/O ou devices específicos.
Figura 5.1 Exemplo de uma planta AS-i.
Conclusão
Um fato importante que deve ser considerado, é que o AS-i foi desenvolvido com um foco específico de aplicação final, que é a comunicação entre dispositivos “discretos”. Cobrindo uma área que os fieldbuses mais complexos não atingem com tal desempenho. AS-i é uma tecnologia que nasceu com o objetivo de eliminar uso dos cartões de I/O em PLCs, com suas ligações ponto a ponto que demanda um alto custo de cabeamento, manutenção e instalação. Não esquecendo do determinismo do protocolo, que traz vantagens para aplicações de tempo real.
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